Todas as noites, antes de dormir, concentrava –
se e imaginava milhões de possibilidades que fariam – na feliz. Imaginava o dia
em que moraria em um pequeno sobrado e teria uma bicicleta vermelha, fantasiava
sua metamorfose, no que se transformaria quando crescesse. Sempre muitos
planos, sempre planos futuros.
Os sonhos eram acompanhados por uma oração.
Agradecia a Deus e pedia que a iluminasse, e que fizesse o mesmo por todos a
sua volta. Toda sua fé era o que fazia com que acreditasse na força de seu
pensamento. A esperança de dias melhores aquecia seu coração.
Era pequena, delicada, e ao mesmo tempo,
grandiosa. Passou, então, a desenhar em sua mente, em cada detalhe, os desejos
que a cercavam. Apesar de estar ciente de que a maioria das coisas não sai como o
planejado, não cansava de sonhar.
Um dia, em meio aos desejos e fantasias,
concluiu que precisaria de asas para alçar voo, tal qual os pássaros.
A ideia
animou – a, mas como conseguiria asas? Com lápis e papel em mãos, começou a traça
– las, e, aos poucos, elas foram tomando forma.
Quando notou que era capaz de criar suas asas,
abriu um imenso sorriso, como não fazia há muito.
Por adorar os tons vermelho – alaranjado do por
do sol, ela decidiu que conheceria, primeiramente, o céu.
Apesar de insegura, aproximou – se da beirada
da janela. Estava prestes a concretizar – se nas linhas de seu destino. A experiência
mais tocante e fascinante que poderia experimentar.
O nervosismo não a abandonou, e ela colocou os
pés pequenos bem próximos ao nada, ao livre ar. Soltou um longo suspiro, e
então atirou – se em direção ao eterno.
Sim, ela estava voando. De perto, tudo era
ainda mais incrível do que o visto através janela do quarto em que dormia.
Atravessou nuvens. Atravessou o céu, e percebeu
que ele nada mais é que a materialidade da imaterialidade. Fundiu – se com o
universo, deixou de existir. Era o melhor de todas as coisas.
Descobriu que eram os pensamentos ruins os
responsáveis pelo aprisionamento do homem na terra, pois pesavam mais que
qualquer coisa, mais do que qualquer corpo celeste.
Ela destacava – se do resto da multidão por
acreditar em anjos. Sabia que eles estavam por todas as partes, sempre
disfarçados.
Voando, ainda, conseguiu vê – los. Eram
cintilantes e leves, leves como o ar. Tinham o olhar de ternura. A menina
desejou estar, para sempre, rodeada por anjos.
A felicidade em voar era imensa, e ela acabou
sem notar que os anos passaram – se... Ela estava imersa no eterno, banhando –
se na fonte da luz que nunca se apaga.
Retornou para o lugar ao qual sempre pertenceu.
A eternidade era seu lar, e os anjos, seus amigos.
Começou, então, a tecer vidas, do mesmo modo
que teve a sua traçada.
Sempre cuidadosa, adicionava detalhes que
traziam paz e felicidade, e principalmente, fé. Fé que edificava sonhos. Na
verdade, ela era apenas um meio para tal, já que o desejo mais profund de cada
pessoa é o mais importante para transformar os pensamentos em conquistas.
Percebeu, então, que sua vida era continuar a
tecer, e fê – lo por dias, meses, anos... Traçou infinitas linhas, incontáveis
pensamentos que tinham como destino o infinito. Ela acreditava em anjos, e por
que acreditava, eles existiam.* No fundo ela era mais um deles.
A hora da estrela, Clarice Lispector,